Gastroenterites em pequenos animais: Principais causas e formas de tratamento
INTRODUÇÃO
Dentre as patologias que acometem o trato gastro-intestinal dos animais domésticos podemos destacar as colites, classificadas como processos inflamatórios que atingem o intestino grosso (cólon); as enterites, que podem atingir toda a parte do trato intestinal ou somente o intestino delgado e ainda acometer todo o trato digestivo inferior, passando a ser denominadas de gastroenterites.
Doenças gastroentéricas compõem grande parte da casuística da clínica médica de pequenos animais, sendo que as causas mais comuns para o desenvolvimento dessas patologias são: vírus, parasitoses, infecção bacteriana, hipersensibilidade alimentar, estresse entre outros (Shafer, 2006).
Sintomas como vômito e diarreia, na sua maioria sanguinolenta, são evidentes nos animais que apresentam quadros de gastroenterites, além dos sinais decorrentes da inflamação; como febre, apatia, perda de peso, entre outros.
Para o diagnóstico, deverão ser avaliados o histórico do animal, sinais clínicos observados, bem como achados no exame físico complementados por exames adicionais como radiografias, análises sanguíneas, endoscopia e cirurgia exploratória.
PRINCIPAIS AGENTES CAUSADORES DAS GASTROENTERITES
Infecções virais
Tem-se implicado uma ampla variedade de vírus na etiologia de vômito e diarreia aguda e crônica nos cães, entre eles podemos destacar o parvovírus, coronavírus e o rotavírus.
O parvovírus vem sendo considerado o agente etiológico mais importante das afecções digestivas, responsável por altas taxas de morbidade em populações caninas, acometendo 50% dos animais com essa manifestação clínica (Lacheretz; Jurim, 1997).
O parvovírus canino atacam as células em divisão rápida nas criptas vilosas, assim a destruição das criptas do intestino pelo vírus pode causar colapso nas vilosidades, diarreia, vômito, sangramento intestinal, resultando em atrofia vilosa profunda além de imunossupressão que irá predispor aos quadros a infecção bacteriana secundária caracterizando a maior gravidade por parte deste vírus (Dunn et al., 2001; Nelson et al., 2001).
Em relação ao coronavírus e rotavírus, tais agentes são responsáveis por formas leves ou assintomáticas de enterites associadas com vômito, anorexia e emagrecimento devido a uma invasão de enterócitos das pontas dos vilos, levando a um grau variável de atrofia vilosa. Isso reduz a área superficial do intestino delgado e, consequentemente, pode levar a má absorção.
De modo geral, o diagnóstico de uma diarreia viral se baseia na demonstração do vírus em uma amostra fecal ou na presença de um antígeno viral ou anticorpo contra o vírus no sangue.
O tratamento para as gastroenterites virais é sintomático e de suporte, afim de reestabelecer os equilíbrios hídrico, eletrolítico e ácido-básico. Agentes antibacterianos de largo espectro, anti- -eméticos e suplementos vitamínicos também devem ser inseridos no protocolo (Dunn et al., 2001).
Gastroenterites causadas por verminoses
Infecções parasitárias também ocupam papel de destaque, sendo relatadas não somente como causas primárias das gastroenterites, mas também por atuarem de forma concomitante aos agentes virais (Denholm et al., 2001).
Cães e gatos com parasitoses gastrintestinais sofrem a ação irritante e espoliativa dos helmintos que atuam causando anorexia, diarreia, vômito e retardo no crescimento, além da imunossupressão orgânica, que contribui nos processos de natureza infecciosa bacteriana e viral acometendo principalmente os animais mais jovens, que são suscetíveis e apresentam manifestações clínicas mais graves.
As helmintoses gastrintestinais, além de debilitarem os animais, possuem papel relevante em saúde pública pelo fato de algumas espécies serem transmitidas ao homem (zoonoses). As espécies Ancylostoma caninum; Toxocara canis e Dipylidium caninum são os principais agentes isolados em pacientes que apresentam quadro diarreico (Udupa; Sastry, 1997).
Ancylostoma caninum é um nematódeo hematófago do intestino delgado de cães que se infectam pela passagem de larvas pelo leite de cadelas lactantes. Em cães jovens, a passagem de larvas pelo leite pode ter consequências fatais ou ser responsável pela produção de quadros de anemia hemorrágica aguda ou crônica, acompanhada de diarreia que pode conter sangue e muco. Em cães adultos sua presença pode causar deficiência de ferro e anemia hipocrômica microcítica (Urquhart et al., 1998).
Assim como Ancylostoma spp., o Toxocara canis é frequentemente encontrado no intestino delgado de cães. A principal via de infecção é pela passagem transplacentária de larvas que se encontram encistadas nos tecidos das cadelas prenhes.
Por tal motivo, é considerada uma infecção frequente em animais jovens. Aproximadamente 80% dos cães com menos de seis semanas de idade possuem exemplares de Toxocara em seus intestinos, podendo ou não eliminar os ovos nas fezes e morrer em consequência do parasitismo; já os cães adultos também podem permanecer susceptíveis e contribuir para a contaminação ambiental (Overgaauw, 1997).
Nos cães, os efeitos da infecção por T. canis dependem da idade do animal, número, localização e estágio de desenvolvimento de vermes (Parsons, 1987).
Dentre os cestódeos parasitas gastrointestinais, o Dipylidium caninum é a espécie que representa as chamadas “tênias” e apresenta grande importância para a saúde dos cães e do homem, por se tratar de uma zoonose (Molina et al., 2003).
Tais vermes possuem o corpo dividido em segmentos, denominados de proglotes, que se destacam do cestoide adulto e são eliminados com as fezes. As proglotes podem ser observadas nas fezes a olho nu, isoladamente ou em grupos, e são ativas porque se movem lentamente sobre ou próximo às fezes recém-evacuadas ou na região próxima ao ânus do cão ou do gato (região perineal).
As pulgas na maioria das vezes e em menor escala os piolhos mastigadores desempenham um importante papel no ciclo biológico do Dipylidium caninum, pois funcionam como hospedeiros intermediários. Desta forma, os cães se infectam com o Dipylidium caninum ao se coçarem e se lamberem, pois acabam ingerindo as pulgas infectadas. Dentre os sintomas o quadro diarreico é o sinal clínico comumente relatado.
Em relação ao tratamento das verminoses, os medicamentos compostos por associações de ativos altamente eficazes e seletivos, com amplo espectro de ação e que apresentam a finalidade de aumentar ou complementar a atividade contra os helmintos são os recomendados.
Dentre os ativos anti-helmínticos o febantel, é indicado por apresentar eficácia e mecanismo de ações semelhantes a outros benzimidazóis que atuam ligando-se a moléculas de tubulina, inibindo a formação de microtúbulos e interrompendo assim, a divisão celular do verme. Tal ativo é geralmente comercializado na dose de 15 mg/ kg associado aos ativos pamoato de pirantel e praziquantel.
O pamoato de pirantel, pertencente à classe das pirimidinas, atua ligando-se aos receptores de acetilcolina estimulando assim a sua ação, o que resulta em excesso de despolarização de membranas com sucessivas contrações, provocando a morte do parasito por paralisia espástica. É indicado na dose de 14,4 mg/kg.
Já o praziquantel, indicado na dose de 5 mg/kg, faz parte do grupo das isoquinolonas e apresenta ação na junção neuromuscular provocando a contração e paralisia instantânea do parasita, além de atuar na junção do tegumento produzindo vacuolização extensa e destruição do tegumento protetor. A combinação de paralisia e destruição do tegumento propicia uma excelente atividade contra cestódeos.
O protocolo de vermifugação deverá ser realizado de acordo com recomendação do médico-veterinário, sendo aconselhável uma dose de reforço 15 dias após cada vermifugação e a repetição do protocolo deverá ser realizada a cada 3-5 meses, dependendo do ambiente (“desafio”) onde o animal vive.
Infecções por protozoários
Protozoários do gênero Isospora: os protozoários do gênero Isospora são frequentemente relatados como causadores de gastroenterites.
As espécies mais importantes do gênero Isospora, que também é conhecido por Cystoisospora, incluem a I. canis e I. ohioensis, acometendo cães e a I. felis e a I. rivolta, acometendo gatos (Urquhart et al., 1998). Tais espécies apresentam um ciclo de vida que se inicia quando oocistos esporulados são ingeridos por um hospedeiro definitivo (transmissão oro-fecal) junto às fezes de um hospedeiro infectado.
Tais oocistos, após um período pré-patente de 6 a 10 dias, são liberados na forma não esporulada e após 3 dias aproximadamente, dependendo das condições ambientais propícias como umidade e temperatura (30°C a 37°C), sofrem a esporulação tornando-se infectantes para um novo hospedeiro.
Os oocistos ingeridos se estabelecem no intestino e invadem as células epiteliais determinando o parasitismo que, em decorrência de possíveis condições adversas concomitantes, resultará em uma manifestação clínica da doença mais branda ou mais severa. Os oocistos continuam sendo liberados pelos animais infectados durante 5 a 10 dias, sendo formas de resistência do parasita que podem contaminar tanto o solo quanto a água por vários meses até anos.
O longo período de sobrevivência dos oocistos no ambiente e a capacidade de resistência à desinfecção deixam os animais em risco permanente de reinfecção.
Infecções sem sintomas são descritas, porém a presença de parasitas do gênero Isospora no intestino de qualquer uma das espécies citadas irá resultar em ulcerações na mucosa intestinal, causando sangramento e agravando o quadro de parasitismo, podendo levar a infecções secundárias por bactérias oportunistas. Quadro clínico de imunossupressão e estresse podem agravar os sintomas apresentados pelos animais.
O diagnóstico da isosporose deve ser baseado no histórico clínico do animal, na sintomatologia e através da detecção de oocistos do parasita nas fezes.
Para o tratamento de cães, medicamentos a base de sulfa e suas associações são indicados, como por exemplo, a composição de Sulfadimetoxina-Ormetoprim na dose de 200 mg/kg, onde sabe-se que o ativo Sulfadimetoxina atua na supressão da eliminação de oocistos além de limitar o quadro de diarreia associado à infecção por isosporose.
O tratamento deve ser realizado por via oral a cada 24 horas, por no mínimo 5 dias e continuado até a remissão dos sinais clínicos, não ultrapassando 14 dias consecutivos. É de extrema importância que não só o animal doente seja tratado, mas sim todos os animais que estejam em contato com ele por apresentarem um alto risco de infecção.
Para controle e prevenção da isosporose recomenda-se o isolamento dos animais doentes, a remoção das fezes frescas do ambiente e evitar a superpopulação em canis e gatis (Tesseroli et al., 2005).
Protozoários do gênero Giardia: a Giardia spp., pode ser encontrada habitando o trato intestinal de todas as classes de vertebrados, sendo a Giardia duodenalis a única espécie encontrada na maioria dos mamíferos domésticos e silvestres e nos seres humanos (Thompson et al., 1999).
A maior prevalência é relatada entre os indivíduos jovens (até um ano de idade), por apresentarem baixa resistência imunológica, e principalmente naqueles animais que vivem em ambientes confinados, em instalações com falta de higiene e em condições de superlotação.
A infecção do hospedeiro ocorre após ingestão dos cistos que foram eliminados pelas fezes dos animais infectados e que estão presentes no meio ambiente, na água, nos alimentos; ou ainda pela ingestão de cistos aderidos à pelagem dos animais.
Tais cistos se rompem no duodeno após a exposição ao ácido gástrico e enzimas pancreáticas e se tornam trofozoítos se aderindo à superfície do epitélio intestinal e se multiplicando por fissão binária no trato intestina,l se transformando em cistos por um mecanismo ainda desconhecido para posteriormente serem eliminados nas fezes. Uma vez infectado, o animal eliminará os cistos nas fezes após 7-15 dias e a eliminação pode durar em média 35 dias.
Os sinais clínicos, quando ocorrem, são diarreia com odor fétido, presença de muco e estrias de sangue, desidratação, cansaço, falta de apetite, anemia e morte nos casos mais graves; principalmente em animais jovens. Todo animal com giárdia, apresentando ou não sintomatologia clínica, eliminará cistos, tornando-se uma importante fonte de infecção para outros animais e para humanos.
O diagnóstico da giardíase deve ser baseado no histórico clínico do animal, na sintomatologia e na detecção de oocistos do parasita através da realização de exame de fezes.
A base do tratamento está na eliminação dos sinais clínicos associados com a infecção além de tratar os animais assintomáticos, pois a infecção pode predispor outras enfermidades, reduzir o ganho de peso e eficiência alimentar e estes constantemente infectar outros animais e seres humanos.
O uso da combinação dos ativos Praziquantel (5 mg/kg), Pamoato de Pirantel (14,4 mg/kg), Febantel (15 mg/kg) e Ivermectina (0,006 mg/kg) administrados por via oral a cada 24h durante 3 dias consecutivos se mostra eficaz na redução da liberação de cistos em cães infectados.
A prevenção desta patologia consiste na manutenção de boas condições de saúde dos animais e para isto é fundamental a realização de programas periódicos de vermifugação, bem como medidas realizadas para a limpeza e desinfecção do ambiente com o objetivo de reduzir a carga ambiental de cistos.
Tais medidas devem incluir a remoção das fezes e de toda a matéria orgânica do local, seguida pela desinfecção das superfícies com o uso de produto à base de Amônia Quaternária (ex. Cloreto de Benzalcônio), ativo que irá atuar na inativação dos cistos no ambiente impedindo, assim, a reinfecção dos animais.
MEDIDAS DE SUPORTE QUE AUXILIAM TRATAMENTO E RECUPERAÇÃO DAS GASTROENTERITES
Associado aos tratamentos recomendados, a administração complementar de probióticos e suplementos vitamínicos são medidas auxiliares para dar o suporte e auxiliar a recuperação dos animais.
O uso de probióticos com microorganismos vivos benéficos, tais como Lactobacillus, Bifidobacterium e Enterococcus, atuam competindo com bactérias prejudiciais ao organismo animal, impedindo a aderência destas bactérias ao epitélio intestinal, além de auxiliarem na modulação da resposta imunológica.
A prescrição de suplementos também é indicada visando melhorar o metabolismo energético dos animais e oferecer aporte extra de nutrientes cuja absorção possa estar comprometida em decorrência dos quadros clínicos de gastroenterites.
Vitaminas são substâncias orgânicas essenciais para a saúde, crescimento e preservação das funções vitais dos animais. Sendo elas, classificadas de acordo com sua solubilidade em lipídeos (vitaminas lipossolúveis): A, D, E e K ou em água (vitaminas hidrossolúveis): C e vitaminas do complexo B.
Os aminoácidos são as unidades básicas que apresentam inúmeras funções para o adequado funcionamento do organismo como regulação do equilíbrio ácido-básico e regulação de anticorpos no sistema imune. Minerais como o cromo, ferro, cobre, cobalto e zinco são indicados para a suplementação em casos de distúrbios intestinais.
O cromo atua potencializando a ação da insulina e influenciando o metabolismo dos carboidratos, lipídeos e proteínas. O ferro é elemento essencial na síntese de hemoglobina das hemácias e os minerais cobre, cobalto e zinco auxiliam a absorção e mobilização do ferro, apresentando ação coadjuvante na formação de hemoglobina.
Fonte: @vetsmart
https://www.vetsmart.com.br/cg/estudo/13758/gastroenterites-em-pequenos-animais-principais-causas-e-formas-de-tratamento
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